domingo, 17 de outubro de 2010

TRIBUTO À CORA CORALINA

ANINHA E SUAS PEDRAS
(Cora Coralina)

Não te deixes destruir...
Ajuntando novas pedras
e construindo novos poemas.
Recria tua vida, sempre, sempre.
Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça.
Faz de tua vida mesquinha
um poema.
E viverás no coração dos jovens
e na memória das gerações que hão de vir.
Esta fonte é para uso de todos os sedentos.
Toma a tua parte.
Vem a estas páginas
e não entraves seu uso
aos que têm sede.



Cora – Linda! - Coralina sentou-se, calada, à mesa, segurando um pequeno volume recém-nascido, com as mãos ainda trêmulas. Era sua primeira cria e sentia-se como mãe inexperiente, repleta de ansiedade, ainda que seus cabelos brancos, docemente revoltos, denunciassem a idade avançada.
Uma a uma, as páginas de versos coagulados eram viradas e, a cada lembrança renascida, sonhos adolescentes de futuro brilhavam na retina fatigada. Uma pequena lágrima de felicidade atravessava o rosto carcomido pela irremediável passagem do tempo...
Mas se o tempo passou, e daí? Ele, agora, recomeçava em um compasso deliciosamente lento. Recomeçar era mesmo um elixir da juventude e, recomeçando, ela se reinventava, tornando-se a menina que fora um dia, com o frescor de uma manhã iluminada!
Afinal, quando nos reinventamos, reconstruindo a cada dia o arcabouço daquilo que somos, acrescentando-lhe o viés do ineditismo, adquirimos a longevidade própria daquele que se recria e se renova. Pavimentamos a estrada desse novo caminho que, refeito, amplia nosso horizonte, cria dimensões inimagináveis e, de repente, somos sugados para o interior da nova criatura que nos tornamos, ainda mais ávidas de conhecimento, de experiência, de vida.
Então, a linda Cora Coralina recostou-se, após virar a última página. Sabia que seu primeiro filho estava pronto para lançar-se no mundo e ela, enfim, pronta para essa nova etapa de sua existência: renascida, recriada, reinventada, como se não fosse tão tarde...
Não, nunca é tarde para recomeçar! Dos destroços de nós mesmos, espalhados, podemos reconstruir o castelo do ser que somos e, das palavras soltas, empoeiradas, sem significado, podemos recriar frases inteiras, pacientemente reconstruindo versos de um poema gasto. Daquele cálice vazio, podemos reinventar o vinho adocicado e dele, sedentos, sorver a motivação de caminhar, embriagado de vida, sempre em frente. Sempre.
Cora Coralina, linda, acaba de folhear o livro, seu filho, e o deixa sobre a mesa. De olhos fechados, suspira profundamente, naufragando no sonho dentro de um sonho. E de dentro dele, sonhamos com ela. Seu exemplo nos inunda e, como a própria fênix, renascida das cinzas, reconstruimos nossa realidade que, reinventada, nos incendeia. Sentimo-nos renovados!
Prontos para, finalmente, recomeçar...

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